quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O ANO BOM PARA AS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA


Ao contrário do Natal, festa de influência cristã, ocasião em que acontece também nas comunidades terreiros a “troca de presentes”, o ano novo, chamado de “ano bom” reveste-se de grande significado para o povo de candomblé. Como os demais momentos de passagem, nesta ocasião se aproveita para reforçar os laços entre os iniciados(as) e seus ancestrais, daí a observância de alguns ritos como o de trocar as águas das quartinhas dos orixás, vodus e ninquices. Este gesto dentre outros, possui a função de evocar na comunidade que a vida deve ser vista como continuidade, expressa no grupo reunido em torno do sagrado para celebrar e pedir pelo novo ano que se inicia. Desta maneira ele é recebido com muita alegria. Para isso são realizadas algumas oferendas e todo espaço terreiro juntamente com as pessoas que o compõem são preparados através de banhos rituais que mais do que “limpar o corpo”visam afirmar e estreitar os laços entre os indivíduos e a sua ancestralidade, garantindo, assim a permanência dos chamados elementos civilizatórios negro-africanos no Novo Mundo. É também o momento em que os ancestrais são consultados e o babalorixá ou yalorixá traz através dos ancestrais uma explicação para o novo ano. Cada vez mais, até para atender as expectativas da mídia, ou mesmo resguardar o momento secreto, ou reservado a poucos iniciados, tem se popularizado a idéia de que o orixá associado ao dia da semana em que se inicia o ano, terá a regência sobre o mesmo. Na verdade, todos os dias da semana pertencem aos orixás, mas não vamos entrar nesse debate até mesmo para não frustrarmos a mídia ou os órgãos de turismo, sobre os quais estamos sempre nos referindo pela capacidade de criar expectativas nas pessoas, ao menos naqueles que buscam um contato pela primeira vez com as religiões de matriz africana. Verdade é que cada comunidade realiza a sua consulta. Ë ela quem dirá, através do jogo de búzios, qual ancestral reinará sobre o ano, na verdade, melhor seria, naquela casa. Isso na verdade serve mais como uma homenagem ao ancestral, pois queremos mesmo é que todos reinem durante todos os dias do ano. Dito isso, vale chamar a atenção para o fato de que o mês de janeiro na cidade de Salvador é muito especial, pois muitos terreiros de candomblé iniciam suas festas com o chamado Ciclo das Águas que já nos ocupamos. Daí pode-se ver em muitos terreiros um enorme pano branco, chamado: alá, estendido do portão de entrada até a porta principal do barracão. Sob esse pano, recomenda-se que não se transite com roupas coloridas. Ele representa o próprio Oxalá, todos os ancestrais que constituíram o universo e os mantém. O alá é um pano sem forma, sem começo e sem fim e representa o infinito, a matéria ancestral da qual tudo que tem vida se desprende. Assim, as celebrações do ano novo não se esgotam no dia primeiro, mas se desenrola durante dezesseis dias, chamados: “dezesseis dias de branco”, ocasião em que o consumo do azeite de dendê é suspenso para fazer memória ao momento em as primeiras civilizações eram intinerantes e se alimentaram de comidas a base de raízes e grãos transformados em farinhas e papas. No terreiro Pilão de Prata, por exemplo, o ano bom inicia-se com o Ciclo de Oxalá. Assim, nos próximos três domingo, pode-se assistir a história da criação através de cerimônias dedicadas a Oduduwa, Oxalufan e Oxoguian. O primeiro é o próprio Universo criado. Costuma-se dizer: “Oduduwa é o mundo”. Segundo alguns mitos este ancestral teria criado a cidade sagrada de Ilê Ifé, centro religioso dos povos iorubá. Oxalufan teria criado os seres vivos. É este princípio que mantém o que está sobre a terra, em cima da terra e debaixo da mesma. O último domingo, consagrado a Oxoguian nos relembra que as primeiras civilizações africanas já eram dotadas de tecnologia, representada pelo pilão, instrumento que introduziu modificações significativas nos grupos que enfrentavam a guerra e a fome como principais desafios à sua sobrevivência. O texto de hoje é, assim uma introdução. Na medida do possível vamos procurar fazer memória de cada ancestral. Isso nos ajudará a entender o significado de algumas celebrações e quem sabe ajudará a dar significado a passagens de nossa própria vida. Afinal o que vivemos é uma continuidade iniciada no momento em que Olodumaré o Deus da Vida resolveu nos conceber como desdobramento de sua natureza Divina. Vamos em frente e Feliz Ano Novo.

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